O homem que teria disparado os tiros que mataram por engano o estudante de direito Matheus Coutinho Xavier, de 19 anos, em Campo Grande, foi o ex-guarda municipal José Moreira Freires, o Zezinho. O crime é atribuído a suposta milícia do jogo do bicho que agia em Mato Grosso do Sul. O suspeito, já havia sido condenado por envolvimento em um outro assassinato, o do delegado aposentado Paulo Magalhães, em 2013 e usava, inclusive, tornozeleira eletrônica.
A informação foi revelada a polícia por Eurico dos Santos Mota, o hacker que havia sido contratado por Zezinho e outro ex-guarda municipal Juanil Miranda Lima, para monitorar o pai do estudante, o capitão aposentado da Polícia Militar, Paulo Roberto Xavier, que seria o verdadeiro alvo da organização criminosa. Motta foi preso na quarta-feira passada (20), em Joinville, Santa Catarina.

Matheus foi assassinado no dia 9 de abril deste ano, com tiros de fuzil AK-47, no bairro Jardim Bela Vista, em Campo Grande, quando manobrava a caminhonete do pai, o ex-capitão da Polícia Militar, Paulo Roberto Xavier.
Em depoimento na sexta-feira (22), na Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco e Resgate a Assaltos e Seqüestros (Garras), Mota revelou detalhes do crime. A unidade investiga junto com o Ministério Público Estadual (MP-MS) a atuação da milícia no estado.
O hacker disse que conheceu Juanil em janeiro deste ano, sendo apresentado por uma amiga, que havia sido esposa do ex-guarda municipal. Explicou que o auxiliou com um problema técnico com o seu celular, formatando o aparelho. Algum tempo depois, em fevereiro, foi consultado por Juanil se teria condições de localizar uma pessoa em tempo real, pelo aparelho celular.
Segundo Mota, Juanil disse que o serviço seria para um amigo, Zezinho, que pretendia cobrar uma dívida no valor de R$ 1,5 milhão da venda de uma fazenda. Duas semanas depois dessa conversa o hacker revelou que foi apresentado a Zezinho. A mesma justificativa foi apresentada. Mota disse que não sabia fazer o serviço, mas conseguiria as informações pedidas. Ele recebeu então um papel que tinha somente uma identificação “PX”, que mais tarde descobriria ser do policial militar aposentado, e um número de telefone.

Com esses dados, Mota diz que entrou em um grupo de hackers e ofereceu o serviço. Por meio do whattsapp entrou em contato com uma pessoa que se identificou como Ceará, que aceitou o “trabalho” por R$ 2 mil. No dia seguinte, Ceará repassou a Mota as informações e disse que “PX” era um policial militar.
Mota repassou as informações do “hacker terceirizado” para Juanil e Zezinho, mas já suspeitando das verdadeiras intenções da dupla os questionou sobre quem os havia contratado e qual era seu verdadeiro objetivo. Obteve apenas a resposta que o serviço era para o chefe de Zezinho e que quanto menos soubesse seria melhor.
No depoimento, Mota diz que continuou a fazer pequenos serviços para Zezinho, como arrumar um computador, e que continuava a questioná-lo sobre como iriam usar as informações que haviam obtido. Em abril, foi visitado por Juanil e Zezinho e disse que não falaria nada a ninguém sobre o caso. No mesmo dia da visita viu dentro do carro usado pela dupla um fuzil escondido de um saco de lixo.
No dia seguinte a visita, viu a notícia da morte do estudante, no mesmo endereço que havia levantado para Juanil e Zezinho, e então chegou a conclusão de quais os verdadeiros objetivos da dupla. Comentou ainda que dois dias depois do crime recebeu a visita em sua casa de Juanil, que estava com a cabeça raspada e sem barba. No dia seguinte foi a vez de Zezinho visitá-lo e questioná-lo se tinha falado alguma coisa a alguém sobre o assunto.
Mais alguns dias se passaram, conforme o hacker, até que Juanil voltou a visitá-lo e dessa vez confessou que tinham ido atrás do policial militar mas, que haviam acabado matando por engano o filho dele. Disse ainda que ele dirigia o carro e que Zezinho havia efetuado os disparos de fuzil que mataram Matheus Coutinho Xavier.
 
Mota diz que notou então uma movimentação diferente em sua rua e ficou com medo de ser morto. Comentou que foi procurado pela Delegacia Especializada de Homicídios (DEH) para falar sobre a morte do estudante, mas que não revelou nada sobre o seu envolvimento com Zezinho. Durante o período em que estava na delegacia comentou apareceu um advogado que teria sido contratado por Zezinho para orientá-lo.

Ele recusou e após depor foi embora para Rondonópolis, no Mato Grosso. Mesmo fora do estado, reconheceu Juanil rondando a casa de sua família e decidiu pedir ajuda financeira de parentes para fugir para Joinville, onde acabou sendo preso na semana passada.
Juanil e Zezinho têm prisão preventiva decretada pela Justiça e estão foragidos. No dia 1º de outubro a força tarefa que investiga o grupo, ofereceu uma recompensa, no valor inicial de R$ 2 mil, por qualquer informação que leve ao paradeiro dos dois suspeitos.
Mota está com prisão temporária de 30 dias decretada pela Justiça e está detido na carceragem do Garras.
 

Motivação do crime
 
Segundo relatório do Garras, o policial militar aposentado Paulo Roberto Xavier era o verdadeiro alvo da organização criminosa na execução que resultou na morte do seu filho.
A investigação aponta que o homem apontado como chefe da organização criminosa, o empresário Jamil Name, acreditava que Paulo Roberto Xavier tinha se aliado a um advogado, com quem ele tinha tido um desacordo em negociação de fazendas que pertenceram ao reverendo Moon localizadas em Jardim e em Campo Grande.
Por conta do revez nos negócios, Jamil Name, conforme o relatório da polícia, teria dado ordem para matar o advogado, a esposa dele e seu filho, além do ex-policial militar.

O advogado de defesa da família Name, Renê Siufi, disse ao G1 que as acusações de que seus clientes lideram a organização criminosa é uma “piada” e que está sendo apresentada somente a versão do Ministério Público. Disse que em juízo, Jamil Name e Jamil Name Filho, apresentarão os esclarecimentos necessários.
Em relação a acusação de que Jamil Name teria dado a ordem para matar o ex-policial militar Paulo Roberto Xavier, disse que não sabe nada a respeito e que seus clientes negam qualquer envolvimento com esse e outros crimes.
Paulo Roberto Xavier, de acordo com a investigação, já era conhecido da família Name. Ele tinha, inclusive, trabalhado como segurança do segundo homem na hierarquia do grupo criminoso, Jamil Name Filho. Foi o ex-policial militar que presenciou a briga entre ‘Guri’, como era conhecido Name Filho, e o empresário Marcelo Colombo, o ‘Playboy’, em uma boate em Campo Grande, em 2013.
Testemunhas e investigados relataram à polícia, que por conta dessa briga, que começou porque Colombo pegou um pedaço de gelo no balde de bebidas de Name Filho, e terminou com ‘Playboy’ empurrando o rosto de ‘Guri’, teria sido dado a ordem de execução do empresário. Colombo foi morto no dia 18 de outubro de 2018, em um bar em Campo Grande.

Mesmo com a prestação de serviço para os Name, a investigação do Garras, aponta que o ex-policial militar entrou na alça de mira da família.
 

“Solidariedade” da milícia
 
Paulo Roberto Xavier disse durante a investigação, que no dia seguinte a morte do seu filho foi procurado por um policial civil, que trabalharia também para a família Name. Esse intermediário disse que Jamil Filho queria conversar ele.
No encontro, de acordo com a investigação, Guri disse ao ex-policial que iria ampará-lo. Que daria apoio para que ele saísse da cidade e procurasse um local seguro. Disse ainda que iria ajudar o pai do estudante com uma mesada, todos os meses. Orientou ainda que o Paulo Roberto Xavier ficasse fora da cidade por pelo menos dois anos e que depois poderia voltar.
O pai do jovem morto disse que achou estranho, porque já há algum tempo não falava com a família e, à princípio, diz no relato aos investigadores, que não suspeitou que o grupo pudesse ter relação com a morte do seu filho. Somente depois, ele disse que começou a ligar os fatos e concluiu que eles tinham envolvimento no crime.
Segundo os investigadores, a morte por engano também foi sentida dentro da organização. Uma testemunha relatou que o guarda municipal Marcelo Rios, que seria o responsável por contratar os executores “ficou desesperado” na semana do crime. Não dormia, não comia e chegou a falar que a “cabeça dele iria rolar”.

Rios foi preso um mês depois do assassinato do estudante, no dia 19 de maio, em uma casa da família Name no Jardim Monte Líbano, com um arsenal. Foram apreendidos 18 fuzis de calibre 762 e 556, espingarda de calibre 12, carabina de calibre 22, além de 33 carregadores e quase 700 munições.
 
A operação que levou a desarticulação da organização criminosa foi realizada na sexta-feira passada (28 de setembro), por uma força tarefa formada pelo Garras, Gaeco, Choque e outras unidades policiais. Na ação foram presos o empresário Jamil Name e seu filho, Jamil Name Filho, quatro policiais civis, um policial federal, um militar do Exército aposentado, um funcionário de Jamil Name e guardas civis de Campo Grande, entre outros.

A representação que fundamentou os pedidos de prisão e de busca e apreensão, o Gaeco afirma que Jamil Name e Jamil Name Filho são os lideres da milícia e reforça essa argumentação apontado que a casa onde foi apreendido o arsenal pertence a família Name. Além disso, na casa onde estavam as armas foram encontrados bonés com câmeras ocultas, que tinham várias gravações que foram recuperadas pela perícia que citavam o nome de Jamil Name ou onde ele aparecia nas imagens.
Jamil Name e Jamil Name Filho está presos na penitenciária federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.

 

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Armas apreendidas no arsenal da suposta milícia do jogo do bicho em Campo Grande — Foto: Polícia Militar/Divulgação