Desde que se iniciou a escalada do conflito entre os Estados Unidos e o Irã, o Ministério das Relações Exteriores tem liderado a formulação da política brasileira em apoio ao governo de Donald Trump. Contrários ao envolvimento brasileiro no episódio, os militares perderam força perante o presidente Jair Bolsonaro. A relação entre Estados Unidos e o Irã, que já não era boa, tornou-se crítica no último dia 2 devido ao assassinato do general iraniano Qassim Suleimani por forças militares norte-americanas durante um ataque ao aeroporto de Bagdá, no Iraque.
Em casos internacionais como este, é normal que o Itamaraty siga à frente das negociações — mesmo com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de recesso fora do país. No entanto, nos bastidores, os militares tentaram tomar a frente junto ao presidente, para evitar manifestações de apoio do Brasil a qualquer dos lados do conflito. Não conseguiram. Publicamente, o Brasil é um dos países que mais têm apoiado a ação de Trump. Quando indagado sobre possíveis exageros nas atitudes do mandatário dos EUA, Bolsonaro declarou que não tecerá críticas ao presidente norte-americano.
No dia seguinte ao ataque, o Itamaraty soltou nota manifestando apoio explícito aos Estados Unidos e deixando de lado uma neutralidade mais costumeira no histórico da diplomacia brasileira.
Generais e técnicos da área econômica com acesso ao presidente chegaram a aconselhá-lo sobre os riscos geopolíticos e de prejuízo comercial com o alinhamento automático. Mas nem por isso Bolsonaro voltou atrás.
Na segunda, autoridades iranianas convocaram a encarregada de negócios da Embaixada do Brasil no Irã, Maria Cristina Lopes, a prestar esclarecimentos. Na linguagem diplomática, a atitude é vista como uma repreensão. Bolsonaro diminuiu a importância do episódio. Disse ontem à imprensa que a medida é um "direito deles, como é meu também" e que uma eventual ação recíproca será discutida quando Araújo retornar ao Brasil. O Itamaraty ainda instruiu oficialmente diplomatas brasileiros que não compareçam a cerimônias em homenagem a Suleimani, segundo circular obtida pelo jornal Folha de S.Paulo. O acúmulo desses fatos deixou os generais brasileiros apreensivos.
Na semana passada, o UOL mostrou que os militares já estavam descontentes com um envolvimento maior do Brasil na briga. Para piorar, o governo havia aceitado sediar no Brasil um encontro entre aliados militares dos EUA para debater a situação no Oriente Médio e no Golfo. A realização da conferência está prevista para daqui a quatro semanas, nos dias 5 e 6 de fevereiro, e deverá servir como mais uma manifestação de apoio a Trump.
Saliva para Trump, saliva para os militares Nesta terça-feira, Bolsonaro resolveu acalmar a tropa, sem no entanto ceder. Pela primeira vez desde o aumento das tensões, o presidente da República se reuniu com a alta cúpula militar brasileira para diminuir o descontentamento dos generais. O encontro aconteceu em almoço fechado no Ministério da Defesa com o ministro da pasta, general Fernando Azevedo e Silva, o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, e os comandantes das três Forças — Exército, Marinha e Aeronáutica.
Bolsonaro não quis falar após a reunião. Também não voltou atrás nas declarações pró-Trump, Quando questionado sobre o apoio aos Estados Unidos no caso de guerra e sobre o poderio das Forças Armadas brasileiras, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, respondeu que não comentaria, "por enquanto". Apesar dos acontecimentos recentes e do preterimento dos militares em suas decisões, Bolsonaro sinalizou aos generais que não pretende colocar o Brasil em uma "aventura", como ele mesmo disse.
O presidente afirma que seu estoque de saliva é do "tamanho de um reservatório de piscina". Por enquanto, é isso o que Bolsonaro está usando: saliva para todos os lados. Saliva para apoiar Trump e saliva como unguento das feridas deixadas nos militares brasileiros, abatidos na disputa com o Ministério das Relações Exteriores.