Governantes do mundo inteiro enfrentam enormes dificuldades para minimizar os estragos da pandemia do coronavirus. A letalidade e a rapidez de disseminação da doença desafiam os médicos e cientistas de todos os países. O Brasil, porém, tem um obstáculo peculiar nessa luta para salvar vidas: o próprio presidente da República. De saída, é esse inimigo que terá pela frente qualquer um que se candidatar ao posto de ministro da Saúde por aqui. Luiz Henrique Mandetta travou o embate com Jair Bolsonaro até que não aguentou mais.
Agora Nelson Teich tenta se desvencilhar das orientações desconexas de seu chefe. Por conta dessas divergências, o Brasil chega ao segundo mês de pandemia na iminência de ver um terceiro nome assumir a pasta. Não que Teich esteja desempenhando bem sua tarefa. Até aqui não disse a que veio, suas coletivas são marcadas por explicações ininteligíveis, não só pela dificuldade de comunicação, mas também pelos solavancos de raciocínio. Porém, ao menos não se deixou dobrar pelas fixações lunáticas de Bolsonaro. Contra o presidente, o ministro defendeu o isolamento social e desaconselhou o uso da cloroquina.
Nos últimos dias, no entanto, o titular do Ministério da Saúde foi exposto ao ridículo por Bolsonaro. Soube em plena entrevista coletiva que o presidente havia incluído momentos antes salões de beleza, barbeiros e academias de ginástica no rol de atividades essenciais, que poderiam funcionar durante a pandemia. A cena em que pergunta ao general que o auxilia se sabe alguma coisa sobre o assunto já entrou para a antologia da tragicomédia política brasileira. Mesmo antes desse momento, Teich já encolhera ao concordar com a troca de 13 auxiliares técnicos especializados por militares do Exército.
Secretários de Saúde dos estados tornaram pública a impressão de que o ministro não decide nada. Ontem houve mais um episódio constrangedor. Depois de alertar para os riscos do uso da hidroxicloroquina, Teich foi desautorizado por Bolsonaro, que, no cercadinho do Alvorada, voltou a defender o uso do medicamento e o repreendeu. "Todos os ministros têm que estar alinhados comigo", cobrou. A coletiva prevista para ontem, em que Teich analisaria os números de casos da pandemia no país, não aconteceu. Hoje, a grande expectativa é sobre a fala do ministro: vai conseguir manter o mínimo de discurso científico que lhe resta ou dará uma guinada para ficar sintonizado com os desvarios de Bolsonaro? O que se sabe é que presidente e ministro estão descontentes um com o outro. Teich começa a dar sinais de incômodo com as interferências e, por seu lado, Bolsonaro esperava que ele fosse bem mais receptivo às ideias que defende. Osmar Terra está de sobreaviso.
Permaneça ou não o ministro atual, é praticamente inacreditável que mais essa novela aconteça justamente no principal front de luta contra a pandemia. Nem mesmo 12 mil mortes foram suficientes para mudar as ideias fixas de Bolsonaro. Sem nenhuma qualificação para tal, arvora-se em desempenhar papel de epidemiologista e médico. Ninguém se espantaria se um dia sacasse do bolso um receituário para prescrever cloroquina à plateia do cercadinho. Enquanto isso, não cumpre as tarefas que são de sua alçada. O governo federal mandou para os estados apenas uma ínfima parte dos equipamentos, recursos e insumos que seriam necessários para enfrentar a covid-19.
Governadores e prefeitos lutam para tentar minimizar o sofrimento de pacientes e profissionais de saúde, sem que Bolsonaro tenha um plano para a pandemia. Cada minuto de insistência em suas propostas delirantes corresponde a mais mortes e sofrimento para milhares de brasileiros. Haverá na história caso semelhante de país desse porte que, sem a ocorrência de uma guerra, tenha caminhado para o matadouro de uma forma tão resignada?