Entre 2020 e 2022, a população sul-mato-grossense sofreu os impactos econômicos da pandemia de Covid-19, levando muitas famílias à situação de pobreza. Mas, em nove municípios do Estado, a quantidade de famílias em extrema pobreza aumentou mais de 100% nos dois últimos anos.

A situação mais grave vem da fronteira com o Paraguai. Porto Murtinho aumentou em 745% o número de famílias em situação de extrema pobreza. Em 2020, apenas 90 famílias viviam em extrema pobreza, segundo dados do CadÚnico, mas esse número chegou a 761 famílias em abril de 2022.

A população estimada para o município é de 17.460 pessoas, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os dados do Ministério da Cidadania mostram que, do total de habitantes, 42,3% são considerados de baixa renda atualmente. A economia da cidade gira em torno basicamente da agropecuária, porém, o projeto da Rota Bioceânica tem voltado os holofotes para o município, que deve receber investimentos milionários para se tornar rota do Brasil para os portos do Chile.

 
 
Nem agronegócio salvou famílias da extrema pobreza após a pandemia
Outras cinco cidades, que aparecem com números críticos para o aumento da extrema pobreza, têm economia baseada no agronegócio, sendo grandes produtores agrícolas. Exemplo disso é Maracaju, que em dois anos viu o número de famílias em extrema pobreza crescer 117,1%, chegando a 532 famílias nessas condições em abril de 2022.

No município, que é o principal produtor de soja de Mato Grosso do Sul, com 932 mil toneladas na safra 2021/22, o percentual de famílias em pobreza e extrema pobreza soma 61,9% da população. A cidade também é considerada a mais rica do Estado, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Outros cinco municípios que têm economia pautada no agronegócio estão nessa lista de aumento superior a 100% no número de famílias em extrema pobreza - Bandeirantes (104,9%), Itaporã (123,9%), Naviraí (114,5%), Santa Rita do Pardo (131,8%) e Terenos (117,7%).

Pausa do turismo atingiu muitas famílias
Em Bonito, principal destino turístico de Mato Grosso do Sul, o aumento no percentual de famílias em extrema pobreza é alarmante. Em 2020, o município tinha 372 famílias em situação de extrema pobreza, mas o número saltou para 1.120 em 2022, o que representa aumento de 201,1% em dois anos.

O município foi altamente impactado pela pandemia da Covid-19 e passou praticamente quatro meses sem receber turistas. Em 2020, o município terminou o ano com a extinção de 124 vagas de empregos formais, conforme dados do Ministério do Trabalho. Porém, o setor de turismo é basicamente formado por empresas prestadoras de serviços e empresas temporários, então, na prática, o efeito pode ter sido pior.

O 9º município sul-mato-grossense onde a quantidade de famílias em extrema pobreza aumentou mais de 100% também foi afetado pelo impacto da pandemia no turismo. Em Aquidauana, o aumento percentual foi de 112,3%, chegando ao total de quase 3 mil famílias nessa situação.

 
 
Mais pobres são os principais afetados pelo aumento dos preços
Os principais impactos econômicos deixados pela pandemia de Covid-19 foram o desemprego e a inflação, que afetou principalmente as famílias de baixa renda. Pesquisador da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Wesley Osvaldo Pradella Rodrigues é doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional e explica que a inflação impacta diretamente no preço de itens básicos - como alimentos, bebidas e habitação - que compõem grande parte do orçamento das famílias mais pobres.

“O grande problema é que quanto mais a renda fica comprometida com itens básicos, menor o poder de compra das famílias. Na prática, significa que essas famílias precisam trabalhar apenas para sobreviver. Inflação é um imposto para pobres, porque quando sobe ela onera diretamente essas famílias de renda mais baixa e não as de classe média e alta”, explica Wesley.

Apesar de Mato Grosso do Sul se destacar nacionalmente na produção do agronegócio, o progresso da cadeia não chega até a população mais pobre. “A desigualdade reduz quando se oferece emprego e alternativas de renda e o agronegócio não é um setor que contribua para isso. O agronegócio é uma atividade concentradora de riqueza e não um agente redutor da desigualdade. O setor caminha para ser cada vez mais automatizado, contratando cada vez menos e mão de obra mais básica”, destaca o pesquisador.