Não dá pra calcular o quanto escrevemos no Campo Grande News. São dezenas de textos, centenas de frases e milhares de letras todos os dias, tudo pra tentar traduzir o momento que vivemos. Porém, tem hora que não existem palavras capazes de retratar melhor uma situação que uma imagem.
Estivemos em algumas regiões pobres de Campo Grande esta semana. Nestes lugares, encontramos gente que via uma vida já cheia de privações ser solapada pela crise do coronavírus. Essas privações que não significavam fome fazia muito tempo, agora voltaram a preocupar a cabeça de pessoas já tão fragilizadas pela miséria e falta de oportunidade.
Sob o pontilhão da Ministro João Arinos, casal divide espaço com outras pessoas que não têm onde morar. (Foto: Kisie Ainoã)
Apesar da operação da prefeitura de Campo Grande, para retirar as pessoas que vivem nas ruas, muitos também continuam dormindo nas calçadas, sob pontilhões ou qualquer outro abrigo.
No Bairro Cidade Jardim, a calçada agora é cama para o casal que veio de Brasília. Enquanto a esposa percorria o bairro em busca de algo para comer, Leandro Rocha Isnardi, 30, guardava o "ponto". "Pra hoje não tem nada", conta sem querer muito papo, só falou da última refeição. "Ontem conseguiu comer um resto de arroz, com feijão e carne, ou melhor, pelanca", diz.
Casal veio para Campo Grande em busca de emprego, mas hoje vive sob pontilhão.
Na Avenida Ministro João Arinos, na saída para Três Lagoas, seis pessoas dividem a estrutura sob o concreto. Faça chuva ou faça sol eles estão lá, sob o pontilhão. José Aparecido diz que tem 34, mas o desgaste da pele aparenta já um senhor. Pintor, veio de São Paulo (SP), ao lado esposa, em busca de uma vida melhor em Mato Grosso do Sul.
Os planos caíram por terra há seis meses, bem antes da crise da covid-19 e agora devem piorar. "Aqui ninguém ajuda não, quando nós precisamos, temos que sair pedindo. E tenho muita vergonha, não sei pedir".
Segundo ele, a última refeição completa foi há três dias. "Quando almocei ali no Cetremi. Comi arroz, feijão e frango", diz sobre o Centro de Migrantes, agora com vagas esgotadas.
Quando alguém para o carro e doa algum alimento, eles preparam em fogão improvisado com latas, em um cantinho do pontilhão que virou casa. Banho, só quando encontram um lugar com banheiro aberto ao público.
Sem emprego ou qualquer previsão de conseguir sustento, Aparecido diz que "bebe", principalmente quando tem fome. "Tomo pinga para passar a fome. Tem que beber, assim a gente não sente fome. Fico angustiado porque estou com minha mulher. Hoje eu quero ver se saio e consigo ao menos um pouco de arroz. Ontem bebi tanto, que acabei caindo e ferindo a perna. A gente bebe porque, quando você vê, está dormindo e não precisou comer", garante.
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